Museu dedicado ao caju destaca cultura alimentar, saberes tradicionais e sustentabilidade

  • 06/09/2025
(Foto: Reprodução)
Conheça o Museu do Caju, no Ceará O verde das plantas e a brisa da chácara convidam os visitantes a um ritmo diferente. É o começo de uma experiência singular no Museu do Caju, com acervo voltado exclusivamente para um alimento típico do litoral nordestino. Em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, o lugar guarda ensinamentos sobre saberes ancestrais e culinária. 🔎 O caju é composto de duas partes. A castanha é o real fruto. O pedúnculo, a parte mais colorida e correspondente a 90% do caju, é considerado um pseudofruto. Atualmente, o Ceará é o maior produtor da castanha do caju no Brasil. Registros históricos mostram que essa relação com o alimento começou há séculos, seja no cotidiano dos povos indígenas ou na trajetória de figuras célebres, como os escritores Rodolfo Teófilo e Juvenal Galeno. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Relatos como estes são recuperados dentro do museu, que comemora 18 anos de existência neste mês de setembro. O espaço é definido como um museu comunitário, mantido por um coletivo de pesquisadores, artistas e entusiastas da cultura do caju. Além do olhar para a identidade cultural dos cearenses, o equipamento dialoga com artesãos de técnicas diversas e desenvolve atividades lúdicas para públicos das comunidades de Fortaleza e Caucaia. Acervo colorido e plural Obras de diversos artistas populares compõem o acervo do Museu do Caju, na Grande Fortaleza Thiago Gadelha/SVM Com obras de origens diversas, o museu temático fala do caju por diferentes linguagens: poemas, pinturas, bonecas, bordados, tapetes e utensílios do beneficiamento do fruto são alguns dos exemplos. Para o turismólogo Gerson Linhares, idealizador do museu, um dos fatores de destaque é a construção coletiva do acervo, contando com peças de artistas e produtores rurais espalhados pelo Ceará e pelo Brasil. “É um museu nordestino, sim. É colorido com muito orgulho, é coletivo. Isso é que é importante”, resume Gerson. Em um dos primeiros espaços de visitação, é possível apreciar as peças de barro confeccionadas na oficina da Dona Cotinha, artesã do município de Cascavel. Pelos espaços da casa principal da chácara, são inúmeras histórias a serem descobertas. Uma delas é a do escritor Rodolfo Teófilo, que também fez carreira como farmacêutico, sanitarista e naturalista no Ceará, nos séculos XIX e XX. Ele é reconhecido como o inventor da cajuína, tendo registrado a fórmula final da bebida caseira em 1900, na Junta Comercial. O líquido havia recebido outros nomes anteriormente, como “vinho seco de caju” e “néctar de caju”. Embora o Piauí tenha patenteado oficialmente a bebida, o educador Gerson Linhares defende o reconhecimento do cearense como inventor. A história da artista plástica Nice Firmeza com as receitas à base de caju é contada no museu. Thiago Gadelha/SVM Outro nome célebre da literatura cearense no acervo é Juvenal Galeno, que incluía o caju em seus poemas. O fortalezense foi poeta, contista e dramaturgo. Nas salas de visitação, também é possível ver as fotos da artista plástica Nice Firmeza preparando doces. Ela foi esposa do crítico de arte, pintor e ilustrador Nilo Firmeza, mais conhecido como Estrigas. Como explica Gerson Linhares, Nice era uma exímia doceira e amava fazer receitas utilizando o caju, incluindo formas de triturar o pedúnculo para que ele virasse a “carne” em alguns pratos. Este e outros conteúdos são repassados para o público que costuma visitar o museu. Boa parte dos visitantes é de grupos de escolas públicas e particulares de Fortaleza e Caucaia, além de pessoas das comunidades do entorno e grupos de idosos. O cultivo do caju no Ceará O mocororó é uma bebida produzida pelos povos indígenas com a fermentação do caju Thiago Gadelha/SVM O caju ajudou na sobrevivência dos povos originários do território cearense há vários séculos, como aponta o professor e historiador Raoni Maciel, que também é diretor técnico do Instituto Ceará Cultura e agente cultural voluntário do Museu do Caju. Para os povos Tupinambá e Tupiniquim, as áreas de cultivo do caju foram, inclusive, motivo de disputas por território. O alimento era importante para a sobrevivência dos grupos, principalmente porque a safra do caju acontece de julho a dezembro, coincidindo com o período de poucas chuvas no Nordeste. Para Raoni, não há como dissociar a cultura do caju da formação da identidade do povo cearense em diversos tempos, desde as tradições indígenas até as políticas públicas que impulsionaram a industrialização do beneficiamento da castanha para exportação. “Tem o aspecto cultural e social por conta da necessidade do uso do caju na rotina do cearense. Mas também até hoje, em 2025, estamos falando de um alimento que é gerador de grandes reservas financeiras do nosso estado”, comenta o historiador. No museu, as raízes do cultivo do caju estão representadas na parceria feita com três etnias indígenas do Ceará: os Jenipapo-Kanindé, os Pitaguary e os Tapeba. Conforme Gerson Linhares, uma das atividades é estimular a produção do mocororó, bebida vinculada às tradições ancestrais desses povos no território cearense. “O mocororó é o suco puro do caju azedo. Ele é enterrado durante 15 dias, o caju fermenta e vira uma bebida alcoólica. Eles utilizam nos rituais sagrados”, contextualiza. Um dos nomes importantes para a industrialização da produção no Ceará foi Jaime Tomaz de Aquino, que fundou uma empresa para o beneficiamento da castanha de caju em 1962. De acordo com Gerson, ele foi um dos pioneiros no aproveitamento do pedúnculo do caju. “Ele observava que 90% do caju estava sendo jogado fora, e ele começou a estimular os pratos à base de caju. Ele foi fazer esse resgate. Tanto é que, todas as quartas-feiras, tinha um almoço que ele fazia para todos os empresários e políticos”, conta o educador. Na década de 1990, o Ceará chegou a um boom de exportações de caju favorecido pela melhoria na logística, aponta Raoni Maciel. Ele complementa que o alimento passou a ser fonte de renda e emprego para uma grande quantidade de famílias cearenses. A força do caju na economia atual Típico do Brasil, caju é alimento versátil e rico em vitamina C As atividades do Museu do Caju costumam ser divulgadas pelo engenheiro agrônomo Vitor Oliveira, que mantém o canal de vídeos Cajucultura, disseminando informações técnicas sobre o cultivo e o agronegócio do caju. Ao g1, ele explica que o Ceará atualmente é responsável por cerca de 60% da produção nacional de castanha de caju. Piauí e Rio Grande do Norte são os dois outros estados que respondem por cerca de 33% da produção. Uma fatia aproximada de 7% está pulverizada entre os demais estados que produzem castanha de caju, incluindo Pará, Tocantins e São Paulo. Alguns fatores explicam o protagonismo do Ceará neste ramo. Segundo Vitor, um deles foi a instalação das empresas de beneficiamento aliada às políticas públicas da década de 70 para o setor, impulsionadas pelo então governador César Cals. Outro aspecto importante é a capacidade de exportação. A castanha do caju é uma commodity. Isso quer dizer que, assim como o milho e a soja, a mercadoria é uma matéria-prima pouco industrializada e com alta demanda no mercado global. Na década de 90, mesmo quando o estado ainda não contava com a estrutura do porto do Pecém, o Ceará detinha cerca de 20% do mercado norte-americano — o segundo maior consumidor mundial de amêndoas da castanha do caju. Ceará é o maior produtor nacional de caju, com exportações de castanha após processo de beneficiamento Thiago Gadelha/SVM Para contextualizar a situação atual, Vitor Oliveira destaca que os Estados Unidos importavam, de 2020 a 2025, cerca de 30% da castanha de caju processada no Brasil. Após o tarifaço, que afetou o setor, o desafio é estabelecer parcerias com novos mercados ao longo do tempo. No Ceará, os municípios de produção mais expressiva estão concentrados no litoral, como Beberibe, Cruz, Bela Cruz, Aracati, Cascavel e Fortim. “O perfil predominante é do pequeno e médio produtor. Hoje, inclusive, existem muitos projetos de assentamento [da reforma agrária] que se viabilizaram em cima da 'cajucultura' e que prosperaram. É muito interessante como o caju foi preponderante para muitos projetos”, detalha o engenheiro agrônomo. Ainda segundo Vitor, o estado ainda precisa avançar para conseguir aproveitar melhor o pedúnculo do caju. Com a castanha sendo o principal produto de exportação, o pseudofruto e as sobras do processo de beneficiamento tendem a ser negligenciados. Um dos usos possíveis é da casca da castanha como produto secundário. Após prensada, ela gera um óleo que pode ser exportado para a fabricação de vernizes, de lonas de freios para veículos ou até mesmo para auxiliar em processos de combustão. “Com o caju, não se perde absolutamente nada”, resume Vitor Oliveira. Resgate para as novas gerações Produtos derivados do caju incluem licores, cachaças, vinhos e cajuínas Thiago Gadelha/SVM O projeto que levou à criação do Museu do Caju foi iniciado por Gerson Linhares em parceria com a mãe, a educadora Rita Miranda, que faleceu em 2014. Eles percorreram 92 cidades do interior para pesquisar sobre a cultura popular do caju. As idas aos municípios cearenses continuam sendo uma das atividades do museu, que conta com um coletivo patrimonial composto por 12 membros para ações na capital e no interior. “Nós presenciamos uma perda de identidade. Você chegava, e aquela doceira não fazia mais o doce de caju. Tinha lá uma lama de caju se estragando porque não tem mais aquele negócio de passar do pai para o filho. Então, quando a gente chega numa comunidade, a gente quer incentivar. Dá pra fazer o patê do caju, o doce, a rapadura, o mel. E a gente vai dando essas dicas”, conta Gerson. É possível ter uma dimensão destas possibilidades visitando a loja de produtos do museu. Também chamado de “bodeguinha”, o espaço se assemelha a um pequeno comércio das cidades pequenas. Nele, estão várias mercadorias derivadas do caju. Vinho de caju, cachaça de caju, o doce “cajuada”, os bombons e as peças de artesanato em alusão ao alimento são alguns dos itens. As mercadorias são trazidas em uma parceria com 150 famílias e produtores rurais de 20 municípios cearenses. Aos domingos, o museu também abre ao público o restaurante. Para quem quiser provar algum prato específico à base de caju, é possível agendar com antecedência para que o item entre no cardápio. As possibilidades também são diversas, incluindo strogonoff, escondidinho com a carne do caju, pizzas, hambúrgueres e opções variadas de sobremesa. O público pode saborear também as bebidas derivadas, como a cajuína, o suco e o refrigerante de caju. Arte sustentável e atividades lúdicas A ativista ambiental Geni Sobreira é uma das voluntárias do Museu do Caju, no Ceará Thiago Gadelha/SVM Diversas peças do acervo são confeccionadas a partir de materiais recicláveis ou resíduos reaproveitados. Essa produção é estimulada por Geni Sobreira, ativista ambiental e artesã à frente da Rede de Mulheres Empreendedoras Sustentável. Como voluntária do museu, ela costuma articular a visita de grupos de idosos, fazer pontes com artistas que podem ter trabalhos expostos no acervo, além de levar mulheres empreendedoras para levar os produtos em feiras realizadas no equipamento. “Aqui é um porto seguro da nossa cultura porque as pessoas se identificam. Elas vêm e fortalecem esse vínculo. Tem pessoas idosas que vêm para cá e lembram de coisas da infância”, comenta Geni. A artista visual e produtora cultural Lia Batista foi uma das pessoas estimuladas a incluir o elemento do caju em suas criações, que aliam cores fortes aos materiais reutilizados. Atualmente, cerca de 80 peças feitas no ateliê dela, no bairro Serrinha, entraram para o acervo do museu. A artista visual Lia Batista tem cerca de 80 obras feitas para o Museu do Caju Thiago Gadelha/SVM “Através das obras que eu tenho expostas aqui, eu vou sendo indicada para os visitantes, que viram clientes. E assim, a gente vai trazendo outras pessoas, vai se tornando uma corrente”, afirma Lia. No espaço, Lia também facilita oficinas de arte para estudantes das escolas, artesãos, idosos e outros públicos, criando desenhos, colagens e peças reaproveitando materiais encontrados na chácara, como as folhas dos cajueiros. O esposo de Lia, o contador Francisco Paixão, também acompanha as atividades do museu e começou a criar as próprias peças, aliando arte e sustentabilidade. É dele o quadro com um caju formado a partir de lacres de latinhas de alumínio. Para ele, é importante se envolver nos eventos promovidos pelo equipamento, como as feirinhas e atividades comemorativas, além de contribuir com a diversidade do acervo. A arte com materiais reutilizados do contador Francisco Paixão no acervo do Museu do Caju Thiago Gadelha/SVM Projetos para o futuro O Museu do Caju completa 18 anos de atividades neste mês de setembro. No domingo (7), a comemoração é marcada pela Feira da Cajucultura na chácara onde fica o equipamento. Sem convênios fixos com governos, o museu continua suas atividades contando com recursos captados em editais de fomento e com o trabalho dos voluntários envolvidos na causa. Para o idealizador Gerson Linhares, não faltam projetos de expansão das atividades. Dentre elas, estão a criação de uma cordelteca, alas dedicadas aos artistas cearenses, um aumento do espaço de visitação e memoriais em honra a figuras importantes para a cultura do caju, como Jaime de Aquino e Rodolfo Teófilo. O turismólogo e educador Gerson Linhares foi o idealizador do Museu do Caju, no município de Caucaia Thiago Gadelha/SVM Outro sonho da equipe é poder fazer funcionar a “bodeguinha” do museu com portas abertas para a rua, podendo atrair de uma forma mais direta as pessoas da comunidade da Grande Jurema e dos bairros vizinhos. “Para essas ideias, precisamos de recursos. O governo, as prefeituras dos municípios produtores de caju poderiam abraçar o museu, vir para cá, trazer suas exposições e incentivar o pessoal dos municípios a trabalharem mais com o tema”, indica o educador. O conserto do "Fuscaju", veículo que era utilizado para as visitas às cidades do interior, também é uma das necessidades atuais do museu. Visitas ao Museu do Caju Segunda a sábado: das 9h às 17h mediante agendamento. Entrada: R$ 5. Acesso ao museu e à lojinha. Domingos: das 9h às 16h. Entrada gratuita. Acesso ao museu, à lojinha e ao restaurante. O agendamento de visitas é feito por meio do contato (85) 98835.9915. Passeios para grupos escolares incluem palestra, visita e sorteios de exemplares do Álbum de Figurinhas Caju. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/09/06/museu-dedicado-ao-caju-destaca-cultura-alimentar-saberes-tradicionais-e-sustentabilidade.ghtml


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